terça-feira, 26 de setembro de 2017

O planeta é o que você come

*Por Liliane Rocha

Jargão comum em nossa sociedade quando pensamos em práticas alimentares nos diz que "você é o que você come", mas a realidade talvez seja ainda mais complexa e interdependente, mostrando que "o planeta é o que você come". Sim, o que comemos não é apenas uma reflexão individual, mas coletiva.

Abandonarei aqui o diálogo extremista, começando por revelar que não sou vegetariana. Embora, toda a minha vida tenha convivido com vegetarianos e por períodos da minha vida tenha abolido a carne vermelha, a realidade é que não há uma exclusão completa e total da proteína animal nas minhas refeições.
  
Acredito que por isso mesmo, tenha base para fazer essa reflexão, talvez de forma menos passional e mais pautada em dados e estudos. Também acho importante dizer que muito do que compartilharei aqui está disponível com mais conteúdo e profundidade no documentário Cowspiracy disponível no Netflix, o trocadilho do inglês sugere que vivemos em uma espécie de conspiração que não debate os impactos da agropecuária na vitalidade planetária. 

Primeiramente enfocarei o viés da sustentabilidade, estudos da Organização das Nações Unidas (ONU) comprovam que a prática da pecuária produz mais gazes de efeito estufa do que as emissões de todo o setor de transportes. Ou seja, a indústria bovina produz mais gases de efeito estufa do que carros, caminhões, ônibus e trens juntos. A ONU, junto com outras agências, sinaliza que a pecuária "é a maior fonte de degradação do meio ambiente da atualidade".

A reflexão também é fundamental quando pensamos na crise hídrica, um dos trechos do documentário sinaliza que 'para produzir um hambúrguer de 113 gramas são utilizados 2.498 litros de água. Isso significa que comer um hambúrguer equivale a tomar banho por dois meses inteiros'.

Se pensarmos a fundo nessas informações é impossível não sermos impactados. Quer dizer, se você deixou o carro em casa e anda de bicicleta, bem como toma banhos rápidos entre 10 e 15 minutos por dia, mas come carne vermelha cotidianamente, continua gerando impacto ambiental. E não pouco impacto, mas sim um impacto considerável.

Além disso, a ONU declarou a Década da Nutrição (2016 a 2025) atrelando ao tema fatores de saúde e ambiental. E algumas empresas já têm procurado a Gestão Kairós para viabilizar Programas de Alimentação Saudável que integrem os aspectos nutricionais, ambientais e sociais. Em uma destas empresas estamos avaliando, por exemplo, a quantidade de emissões e água da carne utilizada em eventos, ao mesmo tempo que nos propomos a sugerir que os eventos internos e externos adotem cardápios alimentares mais equilibrados.

Os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável 2: 'Acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e melhoria da nutrição e promover a agricultura sustentável', também vincula alimentação e sustentabilidade.

Novamente reforço o que comentei no começo do texto. Não quero dizer com isso que todos devam parar de comer carne imediatamente. No entanto, a reflexão sobre os impactos das nossas ações para a sociedade e para o meio ambiente, vai realmente além do que gostamos de pensar ou refletir.

O prato que temos todo dia em nossa mesa pode agravar o quadro ambiental ou contribuir para a preservação do meio ambiente. Neste sentido, ficar um dia da semana sem carne ou equilibrar a dieta alimentar ao longo do mês, pode ser mais saudável não só para o organismo como também para a vida da Terra.

Durante o documentário, também foi impossível não refletir sobre os nossos hábitos alimentares ao longo da história. Quer dizer, será que continuamos comendo antes de forma muito semelhante aos nossos antepassados que não tinham tanta informação ou tecnologia?

Por fim, vale a reflexão sobre qual a importância de cada ser vivo. Quando me pego nessa linha argumentativa, quase sempre me lembro de pessoas que sinalizam que a cadeia alimentar é algo natural. Sim, é verdade. Há uma cadeia alimentar. Contudo, somente o ser humano é capaz de criar animais em isolamento, com maus tratos, hormônios e afins para assegurar uma grande quantidade, além disso, uma renda expressiva para um pequeno grupo de agropecuaristas.

Daí concluo, o que comemos é uma questão de sustentabilidade, de importância da vida (não somente do homo sapiens) e de politica. É, não há saída. O planeta é o que a gente come. E por mais difícil que seja mudar um hábito alimentar cultivado ao longo de toda a vida, que nos foi ensinado e que facilita processos de sociabilização, realmente esta é mais uma mudança que se faz necessária para hoje.

*Liliane Rocha é fundadora e presidente da Gestão Kairós consultoria de sustentabilidade e diversidade. Autora do livro "Como ser um líder inclusivo". Palestrante, professora de pós-graduação e executiva com 13 anos de experiência em grandes empresas nacionais e multinacionais, além de mestranda em políticas públicas pela Fundação Getulio Vargas (FGV).



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